Empreender em uma crise econômica é como velejar em mares bravos: muitos negócios acabam naufragando, e sobrevivem apenas aqueles que possuem bons velejadores. Por isso, para obter sucesso na sua jornada, é preciso prestar atenção também nas suas próprias atitudes.
“É difícil culpar totalmente o empresário: é como culpar o condutor de um navio quando há um furacão”, diz Alberto Ajzental, professor de estratégia e marketing da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Porém, algo que pode acontecer é o gestor cometer uma falha inconsciente: ele pode errar o mercado; ou ele pode acertar o mercado e errar na solução; ou ainda pode acertar nesses dois pontos e errar na execução.”
Fernando Góes, empreendedor e sócio da consultoria Ockam, concorda com a importância das decisões tomadas pelo dono do negócio na hora de obter sucesso ou não. “As questões comportamentais são determinantes e, na crise, elas se acentuam, porque as falhas pesam mais. Mas, no fim, a raiz está nocomportamento do empreendedor.”
Segundo Tiago Oliveira, sócio da consultoria Brapartner, as decisões erradas acontecem muito porque o empreendedor não sabe se adaptar a novos momentos econômicos. “Em tempos de incerteza, o primeiro passo é analisar a situação da sua empresa. Não adianta você ter uma mentalidade de empresa grande quando seu empreendimento está encolhendo, por exemplo. Dê um passo para trás e planeje.”
Quer enfrentar a crise econômica? Então, conheça atitudes que devem ser erradicadas da gestão e veja se você pratica alguma delas no seu dia a dia:
1. Olhar apenas para seu próprio umbigo
Como você decide qual produto ou serviço lançar no mercado? Se toda sua pesquisa se resume aos seus próprios interesses, há uma grande chance de não obter demanda suficiente para sua atividade vingar. “Olhe a partir da perspectiva de quem vai comprar”, recomenda Ajzental. “Você é apenas você; é necessário ver o que seu cliente acha. Esse é um grande erro na linha de marketing e mercado.”
Ter uma relação com um negócio como se fosse um reflexo seu é muito inspirador, mas crenças muito fortes na ideia fazem os empreendedores acharem que só ela já é suficiente para obter sucesso, diz Góes, da Ockam. “Os donos de negócio esquecem que é preciso ter habilidade de liderança e de relacionamento com clientes, por exemplo. A paixão pelo negócio não substitui o desenvolvimento de algumas competências, por mais que a ideia seja muito boa.”
2. Esquecer de olhar para fora do seu negócio
Uma atitude parecida com a anterior é não observar o que ocorre além das fronteiras da sua empresa, com o objetivo de analisar tendências e estratégias.
Participar da realidade e conversar com quem está fora do seu escritório é uma atitude chamada popularmente de “colocar a barriga no balcão”, explica Góes. “É fácil perder essa atitude diante da burocracia do negócio. Isso é fatal, porque o cliente é nosso chefe, e perder esse contato faz com que ele fique cada vez menos fiel. Crie um elo estratégico e não deixe de ir ao mercado.”
Mas como aproveitar esse conselho, na prática? ”Visite os concorrentes; coloque-se no lugar do seu cliente e veja as experiências pelas quais ele passa; analise o que ocorre em negócios do mundo todo; e esteja antenado com as notícias publicadas na mídia”, aconselha Ajzental, da FGV.
3. Não atender bem o cliente, inclusive na hora das reclamações
É preciso respeitar o cliente, da forma mais ampla possível, diz Ajzental. Quer seja entregando aquilo que ele deseja quer seja ouvindo-o nas reclamações.
“Você precisa ter um canal aberto com os consumidores. Não abrir um SAC já é loucura; mas, além de abrir, é preciso ouvir o que os consumidores dizem e fazer uma reflexão, saindo apenas das meras desculpas. Especialmente hoje, com as redes sociais: se você trata mal, todo mundo fica sabendo. E isso acontece, geralmente, por detalhes.”
4. Descartar a opinião dos seus funcionários
Não pense que sua empresa é formada por você no topo e todo o resto na base, apenas obedecendo. Cada vez mais, os negócios adotam um modelo decisório que recebe sugestões de vão de baixo para cima – e isso porque tal processo traz melhores resultados.
“Os empregados que estão em operações todos os dias podem trazer ideias práticas. Por exemplo, quem está em vendas sabe o que o cliente quer ou por que ele saiu da sua loja”, explica Ajzental, da FGV. “A informação tem que fluir nos dois sentidos dentro da empresa. Isso é bom para os negócios e, ao mesmo tempo, seus funcionários se sentem importantes.”
Ignorar seus empregados tem outra consequência que pode naufragar sua empresa no futuro: não preparar pessoas que possam assumir tarefas difíceis ou, até mesmo, sucedê-lo no negócio caso algo aconteça.
“É preciso preparar o herdeiro ou pessoas capacitadas desde cedo para assumir a empresa. Na crise, esses preparados poderão colocar a mão na massa e ajudá-lo”, diz Oliveira, da Brapartner. “Com isso, o empreendedor pode decidir junto com duas ou três lideranças já treinadas. Há várias frentes de pensamento e, com isso, maior atuação.”
5. Confundir finanças da empresa com as da casa
Mesclar finanças da empresa com as pessoais é um erro clássico dos empreendedores na hora de organizar as contas – especialmente para os pequenos negócios.
“Em negócios em que só o empreendedor compõe a empresa, há dificuldade em estabelecer a divisão do que é dele e do negócio. Há uma ideia de que é tudo a mesma coisa”, diz Góes. “Muitos naufragam porque usam um dinheiro que não era para ser usado, e não entendem a retirada saudável por conta da falta de conhecimento financeiro. Esse é um erro comum principalmente quando o negócio está indo bem: o empreendedor muda de padrão de vida e começa a sacar de acordo com isso.”
Quando a recessão econômica chega, o dono de negócio acaba não reajustando o salário que retira do negócio todos os meses. “Às vezes, o empreendedor acha que a empresa tem obrigações com ele, como garantir seu padrão de vida. Em épocas de recessão, então, esse negócio fica dependente de financiamentos. A falência fica a um passo”, afirma Ajzental, da FGV.
6. Ignorar a situação financeira do negócio
O fluxo de caixa (sabe o que é?) precisa ser visto todos os dias, para que o empreendedor analise se as finanças da empresa estão saudáveis ou não. Assim, você evita depender de outras instituições para garantir a sobrevivência da empresa, diz Ajzental. “Tenha muito cuidado ao ir ao banco e pagar juros – especialmente no Brasil, que possui uma das taxas mais altas do mundo. Nesses financiamentos, você deixa de trabalhar para seu negócio e começa a trabalhar para o banco.”
Os aspectos internos da empresa são muito importantes, mas muitos empreendedores se esquecem deles e focam mais na venda do produto. “Há casos em que as vendas só aumentam, mas a empresa tem prejuízo e o empreendedor não sabe o porquê”, conta Oliveira. “Pode haver uma inadimplência alta ou gastos não computados na contabilidade. O dono do negócio só costuma saber disso quando a bomba estoura.”
7. Por fim, não sentir necessidade de melhorar
Para nenhuma atividade o empreendedor deve atingir um certo ponto, dizer que “chegou lá” e parar por aí. “Não existe esse ponto. Você sempre deve melhorar e se aprimorar, colocar-se para fora da sua zona de conforto por si próprio – antes que outra pessoa o obrigue a sair dela, diante de uma falência próxima”, aconselha Ajzental, da FGV. “Os mercados estão cada vez mais dinâmicos, e você não pode ser estável.”
O empreendedor não pode se afogar na crise e deixar de pensar em formas de sair dela, culpando apenas a falta de dinheiro, diz Góes, da Ockam. “Fazendo do mesmo jeito, o resultado irá continuar ruim. Não estamos falando de criar um Google ou um Uber: pode ser um jeito diferente de conseguir clientes ou entregar produtos, por exemplo.”
Por fim, é preciso abandonar a ideia de que fazer mudanças significa um fracasso. “Os empreendedores são gente e possuem ego. Mas, às vezes, é necessário ajustar-se ao mercado: fazer alterações na sua ideia, por exemplo. É difícil um empresário tomar essa decisão, porque é como voltar para trás. Mas é necessário”, completa Oliveira, da Brapartner.